Falando com pais (20/08)
Entre o preto e o branco: qual é a sua cor?
Ontem fui ao supermercado. Os diversos avisos e orientações específicos, tais como entrar apenas uma pessoa por família, evitar tocar os produtos das prateleiras desnecessariamente, manter distância de 1,5 m nas filas, entre outras, parecem não produzir o efeito esperado. Somando-se a isso, no caminho da ida e da volta para casa, desde o meu próprio condomínio, quantidades de pessoas circulando, aglomerando-se em estabelecimentos diversos, abertos e fechados, na maior parte das vezes, sem máscara. Há, ainda, as tais festinhas clandestinas ali e acolá. Tudo isso parece levar à falsa sensação de que a “normalidade” já está de volta, e os que seguem firmes nos cuidados e recomendações se sentem tolos e com a sensação de estarem eles errados em suas avaliações.
No último sábado, em sua coluna na Folha de S. Paulo, o respeitável oncologista Drauzio Varella fez o seguinte questionamento: “Em que os números da epidemia de agosto nos tranquilizam?”. Na ocasião, ele aproveita para referir que “o aguardado pico da curva, que seria seguido de queda abrupta do número de infectados, infelizmente não aconteceu”; já o tal achatamento da curva aconteceu, mas estabilizando-se, já há dois meses, em um platô que gira em torno das 1000 mortes diárias. E o ser humano, com sua incrível e veloz capacidade de adaptação, parece ter normalizado essa tragédia. Nesse sentido, os números de agosto não nos tranquilizam, mas, sim, nos atormentam em pensar que seguimos perdendo tanta gente…
Em minha modesta opinião, de quem não é médico nem especialista no assunto, mas consome bastante informação, de fontes diversas e plurais, a gênese da maior parte das dificuldades que enfrentamos nessa pandemia está na ausência de equilíbrio. Aristóteles já dizia que o excesso é um erro, assim como a falta.
De início, a apropriação de um problema de saúde pública sem precedentes, de impacto global, por diversos líderes e políticos, serviu para a já polarizada opinião pública dividir-se também em relação a essa questão. Isso fez com que alguns, mais sensatos, atendessem às recomendações de diversos órgãos de saúde enquanto outros as ignorassem por completo. Hoje, os relapsos seguem no seu descuido, e os cautelosos seguem em isolamento, mas à beira de um ataque de nervos, pois a sanidade mental também já está no seu limite. Muitos acabaram desistindo, e trilhando o caminho dos descuidados: e o equilíbrio não foi observado.
Com relação aos aspectos econômicos, o cenário não se difere muito. Estrangulados pela queda do consumo imposta pela quarentena, e sem um suporte efetivo de políticas econômicas que conseguissem amenizar os efeitos negativos das restrições, empresários pressionam governos pela reabertura e retomada da economia. Seria bem possível que, aos poucos, os diversos setores voltassem a registrar aumento nas vendas, e a economia se reaquecesse, mesmo lentamente, de modo contínuo. No entanto, o simples anúncio de alguns avanços na liberação de setores do comércio, por exemplo, é motivo para acompanharmos, nos noticiários, multidões se aglomerando nos shoppings e centros comerciais, colocando em risco a si e aos outros. Em muitos locais, a retomada foi seguida de aumento vertiginoso de casos e novo fechamento. E mais uma vez, o equilíbrio nem é considerado.
No que diz respeito à busca de estratégias para combater o vírus e superar essa calamidade, encontramos os mesmos enfrentamentos. Os que desacreditam e atacam a ciência o tempo todo, paradoxalmente, aguardam ansiosamente pela descoberta da vacina. Os governantes que cobram da comunidade científica rapidez nessas pesquisas são os mesmos que, diuturnamente, cortam recursos para esse setor. No mundo, a busca por essa solução configurou-se em uma corrida científica, na qual o interesse maior é o lucro que será gerado pelos laboratórios e centros de pesquisa protagonistas de tais estudos (vide os impactos no mercado de ações a cada descoberta anunciada), e não as vidas que poderão ser salvas. E novamente, o equilíbrio sequer é cogitado.
Enfim, falta-nos neste momento buscar aquilo que Aristóteles chama de meio-termo, traduzido neste texto pelo conceito de equilíbrio. Não podemos nos esquecer de que, entre o preto – ausência de cores – e o branco – junção de todas as cores – temos todo o espectro. E imagine como a vida seria chata sem todas essas cores, se vivêssemos apenas nos extremos. Não é porque os números estão um pouco mais estáveis, evitando, por hora, o colapso dos sistemas de saúde, que podemos relaxar nas medidas que tão somente tem o objetivo de proteger a saúde e a integridade de todos. Não há mais que fazer no momento, além de continuar evitando aglomerações, higienizando as mãos, usando máscaras e manter o distanciamento social.
Nathanael da Cruz e Silva Neto
Professor de Língua Portuguesa e Pedagogo
Mestre e Doutorando em Educação, na área de políticas públicas